quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Migalhas de amor

Imagem Pai e filho - Steivens - Fathe

A força da vida, a realidade que nos cerca, os acontecimentos da existência são de impressionar. Acredito que nesta dinâmica de viver perdemos inúmeras oportunidades de aprender com as situações concretas do dia a dia. É sintomática nossa capacidade de não perceber tantos momentos significativos e pedagógicos na escola da vida. Vivemos à espera de grandes acontecimentos, novidades estrondosas, oportunidades ímpares, e não nos damos conta das migalhas vitais que diariamente caem no chão da nossa vida, e são pedagógicas. Relato um fato que me deixou muito desconcertado.

Em um destes domingos comuns da vida, participei da celebração da Santa Missa numa catedral. No banco da frente estava uma família harmoniosa: um senhor na faixa dos seus 37, 38 anos, sua esposa, uma senhora de idade um pouco mais avançada que deveria ser sua mãe, e um menino por volta dos seus 4 a 5 anos. Uma cena aparentemente normal, não fossem os gestos profundamente afetuosos trocados entre pai e filho durante toda a Celebração. Somos acostumados a ver as crianças perambulando em torno de suas mães, implorando atenção e cuidados a que toda mãe, por sua vez, corresponde com muita presteza.
Essa família chamou-me atenção porque a situação era inversa ao padrão que estamos acostumados ou que a sociedade nos convencionou. O pequeno acariciava o pai, abraçava-o, tocava seu rosto com tamanha ternura, se envolvia em seus braços de forma tão terna e afetuosa que era impossível não perceber a intensidade daquela relação. Despertava a atenção dos que estavam em volta. Por sua vez, o pai correspondia ao carinho do menino na mesma proporção, lhe sorria, beijava-o, acariciava sua cabeça e dava-lhe toda a atenção. Era uma cena de profunda intimidade paternal.
Durante a Celebração o menino permaneceu ao lado do pai, sem choro, “ganjas” e “manhas”, ora em seus braços, ora sobre o banco apoiado em seus ombros, ora ao lado em sentido de prontidão. Em alguns momentos o menino olhava para a mãe e dava-lhe um leve sorriso, e ela lhe correspondia com uma piscadela de olhos. E assim ele permaneceu durante todo o tempo, sem nenhum constrangimento, trocando afetos em público, como se gritasse para todos os presentes naquela catedral: esse é o meu pai amado, nele eu deposito toda minha confiança, meu amor, segurança e carinho.

Fiquei encantado com aquela cena aparentemente fora dos padrões. O pai assumindo sua paternidade na forma mais intensa possível e o filho, sem restrições, entregando-se ao amor paterno.
Por toda a Missa fiquei com aquela imagem na cabeça. Desejei por alguns instantes tomar o lugar daquela criança e experimentar em mim o amor e a atenção que aquele pai dispensava. Queria sentir a segurança de seus braços, o carinho e a ternura que dele emergia. Mas, imediatamente, desejei também ser um pouco a figura do pai, portador de segurança, estabilidade e confiança para o filho que apenas buscava o amor. Meu coração se inquietava: uma cena tão banal, ao mesmo tempo tão cheia de sentido. Fui à igreja rezar a Deus e Deus rezou comigo através daquela família!

Confesso que, ao final, não recordava uma palavra que o senhor Bispo proferiu em sua homilia. O gesto amoroso entre pai e filho, sim, insistia em não sair de meus pensamentos.
Se o amor entre pai e filho pode mexer de tal forma com nossa humanidade, despertar os mais profundos sentimentos de afeto, provocar tamanha emoção e fazer brotar o mais íntimo desejo de vivenciar aquela experiência de amor filial, fico a imaginar o tamanho do amor de Deus para conosco. Quão grande deve ser a alegria de estar em sua presença, receber seu abraço paterno, encostar a cabeça em seus ombros e por ali permanecer indefinidamente. Se o amor humano nos seduz no tempo e no espaço, o amor divino nos amadurece para a eternidade.

Percebi que aquela relação humano-afetiva entre pai e filho, repleta de carinho, confiança, segurança, paciência, cumplicidade e amor é uma pequena demonstração do que vem a ser o céu. Quem sabe, uma gota do paraíso. O céu deve ser este amor puro e vivo de forma constante, elevado ao infinito.
Enquanto meus olhos estavam fitos no altar durante a Celebração, o céu acontecia um banco à minha frente. No final, descobri que aquele gesto de amor era apenas uma migalha do que Deus pode nos oferecer.
Agradeci verdadeiramente as migalhas que daquela família caíram no chão da minha vida e saí de lá confiante: o melhor está por vir.

Vilmar Maccari Dal-Bó