terça-feira, 11 de outubro de 2011

A figura do pai e a cartilha de José

Foto: Pegadas

A psicologia moderna não se cansa em destacar a importância da figura paterna na formação da identidade e do psiquismo do indivíduo. A presença do pai, ou daquele que assume esse papel, contribui de forma decisiva na construção da personalidade e na relação do indivíduo com o mundo. O pai é a referência para a criança, em especial, para o menino. É no pai que ele busca a segurança, a objetividade, o discernimento e a virilidade que no futuro sustentarão seu comportamento. É o pai o primeiro herói, ou quem sabe, o último bandido de toda criança. Não nos aventuraremos em mergulharmos de forma mais profunda na formação da psique do sujeito e na contribuição da paternidade a este processo de formação do indivíduo para não corrermos o risco de avançarmos em uma área do conhecimento humano e seus respectivos conceitos, dos quais não temos o devido domínio, porém, avançaremos naquilo que é pertinente a todo homem: a relação e o encontro pai e filho.

Na Sagrada Escritura a palavra pai não é desconhecida. Por diversas vezes nos deparamos com o termo Abbá, que, em hebraico quer dizer “paizinho”. O próprio Jesus quando rezava, dirigia-se a Deus chamando-o de Pai. Pai, neste sentido, é uma expressão de primazia, intimidade, confiança, cumplicidade, entrega. Disse Jesus: “Pai, em vossas mãos eu entrego o meu espírito”.

A leitura teológica da figura do Pai não é diferente da experiência concreta do pai na vida do filho. O menino tem o pai por primeiro. Ele é o primaz! É a figura masculina mais próxima, por isso, o primeiro homem, o mais forte diante dele. É o pai, também, o mais inteligente, o mais rápido e o mais seguro. No pai, o menino busca intimidade. Deseja tornar-se próximo, pois aspira ser como o pai: forte, inteligente, rápido. Nesta aventura de proximidade e intimidade, tempo de identificação, ele percebe que herdou muitas características do pai, mas, na sua singularidade ele não é como o pai. Não consegue ser tão brilhante, tão forte, tão eficaz e é, neste momento, que a intimidade os leva à confiança mútua. E o menino começa a partilhar com o pai seus medos, suas falhas, seus desejos, seus sonhos, enfim, seus conflitos e limites. É neste ponto da relação que se estabelece a cumplicidade; o filho deposita seus sentimentos nos ombros do pai, como Jesus o fez: “em vossas mãos entrego o meu espírito”. Sem dúvida, o pai é essencial na formação de seu filho. É ele o tecelão de um novo homem.

Sobre o pai adotivo de Jesus, São José, pouco fala a Sagrada Escritura, mas quando a ele se refere um termo muito significativo é expresso: “José homem Justo”. Este é o atributo dado ao pai adotivo de Jesus: homem justo. A justiça foi a cartilha da educação de Jesus. Quando inúmeras literaturas propunham temas como Pai vencedor filho vencedor, Pai rico filho rico, ou Pai pobre filho rico, entre outros, aventuro-me na experiência de Nazaré: “Pai Justo filho justo”.

É inegável a falta que faz o pai na vida de uma criança. Há quem fale em pessoas indecisas, inseguras, sem brio, medrosas, fechadas, volúveis, tristes, incapazes de concluir um projeto de vida. Quem realmente perdeu o pai na infância, ou teve pouco contado por fruto de uma formação cultural rígida, sabe até que ponto esta análise é pertinente e até que ponto é mera especulação. Mas, de fato, com maior ou menor intensidade, todos aqueles que de alguma forma foram marcados por experiências de ausência ou recusa do pai na infância, carregam consigo traços de um relacionamento fracionado.


Ao pai não cabe o julgamento moral: bom o ruim? Mas sua figura está sujeita ao risco: de herói tornar-se o vilão na história de vida de seu filho. A dor de não ter com quem identificar-se, com quem partilhar, de não ter no fundo alguém que lhe permita arriscar é tamanha como a daquele que sofre ao ver seu pai tornar-se um vilão. Seja ele herói ou vilão, uma criança não pode ser privada de experimentar seu pai. É o pai, o herói, o bandido, o fraco ou o forte de todo menino. É tudo aquilo que ele quer ser, ou tudo aquilo que ele recusa ser.

A figura do pai no campo religioso é sempre a experiência do sagrado, do acolhimento, do alívio, da partilha, da entrega. Experimentamos ser filhos para ter alguém a quem chamamos de Pai. Quando pronunciamos a palavra “Pai” buscamos compreensão, ajuda, afago, força e, sobretudo, coragem para continuarmos.

O pai, na vida do filho, é isso. É uma força que o encoraja, ajuda, afaga e o faz continuar. O filho é sempre a continuação de seu pai. Talvez um pouco menos, talvez um pouco mais. Mas esta é a identidade que os une. É a fala que os marca para sempre: “meu pai”, “meu filho”. A muitos dói não falar, a muitos dói não ouvir: “meu pai”, “meu filho”. Àqueles que podem falar e têm a graça de ouvir cabe aspirar aos bons exemplos, às mais nobres virtudes. A cartilha da Justiça de José é sempre uma boa sugestão: Pai Justo, filho justo!