terça-feira, 20 de março de 2012

A força do murmúrios

Foto: Entre vós


Murmuravam, pois, dele os judeus e diziam: Não é este Jesus, o filho de José? Acaso, não lhe conhecemos o pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu? Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós ( Jo, 6, 41-43).

Intrigas, fofocas e murmúrios não são fruto do mundo moderno e secularizado. A murmuração e o jogo da intriga já estão presentes nos tempos de Jesus e são narrados nos Evangelhos. O próprio Jesus assistiu, em sua humanidade, à fraqueza da humanidade: falar mal do outro. O texto de João (6,41) narra que os judeus murmuravam contra Jesus. Viam em Jesus um homem simples; filho de gente simples. O Filho de um “José qualquer”, e de uma dessas e tantas e outras “Maria” que busca ser um “notável” e ascender em seu clã. Com pode um “Zé povo”, um “sem berço”, nascido no meio de animais, criado por gente simples do campo, educado aos fundos de uma carpintaria ousar falar de Lei, Ética, Moral, Justiça, Reino e Céu? Questionavam seus contemporâneos a ousadia de Jesus em abordar temas até então reservados aos sacerdotes, magistrados e políticos de seu tempo. Ao filho do carpinteiro caberia ser o filho do carpinteiro! Era a lógica vigente.

As murmurações contidas neste texto dão margens a amplas interpretações. Aparecem visivelmente as do preconceito, da inveja, do bairrismo e do elitismo arcaico. Nada de novo ou estranho para nós, hoje.

Jesus, diante dos murmuradores, é enfático: “Não murmureis entre vós (Jo 6, 43). Ele reprova a prática dos murmúrios porque sabe que estes emergem repletos de preconceitos, maldades e sentimentos pouco nobres. Jesus foi vítima de murmuradores assim como muitos, hoje. Os murmúrios nunca são justificáveis. Ainda que seu conteúdo contenha certa dose de veracidade, a prática do murmúrio é reprovada, pois ceifa a autenticidade e a coragem de estabelecer-se um diálogo de comunhão e correção fraterna. O murmurador nunca edifica o murmurado. Faz aumentar a indignação, distorcer as informações e promover as calúnias. Nos murmúrios escondem-se os fracos, os medíocres e os inseguros que não são capazes de sustentar seus pensamentos e posições.

É difícil não murmurar! Atire a primeira pedra quem nunca murmurou de um professor, chefe, político, colega de trabalho, amigo ou de um líder religioso. Somos provocados a murmurar. Murmuramos quando somos confrontados, quando perdemos posições, quando somos questionados, incompreendidos, avaliados, esquecidos. Murmuramos quando o “outro” entra na nossa “contramão”, quando brilha mais do que nós, quando se destaca naquilo que temos dificuldades de realizar bem. Murmuramos, murmuramos e murmuramos.

Diante dos murmuradores, Jesus deixa claro que esta é uma prática não aceitável. Não aprova e relembra: “Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram” (Jo 6, 49). Como quem diz: Vossos pais morrem pela “língua”, mas entre vós, não deve ser assim, pois lhes foi dado um Novo Alimento, muito mais substancial do que o maná do deserto de vossos pais. Falava assim para que compreendessem seus ensinamentos e sua prática de justiça, verdade, comunhão e unidade, completamente inversa à calunia, fofoca, divisão e intriga, razão de ser do murmúrio.

Não murmurar é uma arte. Exige disciplina, força de vontade, abertura de coração e retidão de sentimentos. É preciso ser muito Homem para não murmurar. Forte, decidido, convicto e corajoso. Murmúrio não tem sexo! Tange a todos: homens e mulheres. Há quem diga que murmúrios de homens são muito mais doentes, dissimulados e venenosos do que os de mulheres. Mas, isso tudo é especulação. O que vale mesmo é o ensinamento de Jesus: “não murmureis entre vós”.

Ao final deste texto é bem possível que o leitor pare, reflita e se depare murmurando a respeito do que foi escrito, mas eu insisto, “não murmureis entre vós”. Ensina o Evangelho, agradece o autor.