segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Meninos não choram: será?

Foto: Lágrimas de homem feito

Disse Maria por ocasião da morte de seu irmão Lázaro: ”Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. Quando Jesus a viu chorar, e os que estavam com ela, comoveu-se interiormente e perturbou-se. Ele perguntou: “Onde o pusestes?” Responderam: “Vem ver, Senhor!” Jesus teve lágrimas. Os judeus então disseram: “Vede como ele o amava!” (Jo 11, 32-36)

É confortador sabermos que Jesus, ao ver o amigo Lázaro morto, comoveu-se e chorou. As lágrimas de Jesus diante da sepultura de Lázaro tiram dos ombros dos homens modernos o ritual imposto pela sociedade de que homens não choram. As lágrimas de Jesus exaltam sua humanidade repleta de sentimentos, afetos e amizade. Jesus, homem-Deus, ao chorar em público assume para si aquilo que os homens ao longo da história insistem em esconder a “sete chaves” dentro do coração: o medo, a insegurança, a saudade, os sentimentos. Jesus revela para o mundo o que insistimos em esconder dentro do peito.

No curso da história percebemos que os sentimentos estão intrinsecamente alinhados ao conceito do que é belo. Na cultura grega, o belo representava a força e a superação dos limites humanos: o homem belo era, para os gregos, aquele que possuía corpo atlético, bem definido. Já no Império romano o belo era sinônimo de poder e dominação. Em Jesus Cristo, nem a força dos guerreiros gregos e nem o poder de dominação dos tiranos romanos encontram abrigo. O belo, aos olhos de Jesus encontra sua representação na pureza das crianças, na beleza dos lírios do campo, no pecador arrependido, no faminto saciado. O belo, aos olhos de Jesus, desconcertava sua época e se revela mensagem profética para nossos tempos: a beleza, a seus olhos, consistia na capacidade de olhar o diferente, o renegado pela vida, o restolho da humanidade e, ali, encontrar o mais belo: a essência das coisas e das pessoas.

Foi através desta capacidade de enxergar além das imagens, das aparências e dos preceitos que Jesus Cristo conseguiu direcionar seus olhos, carinho, atenção e misericórdia para os sofredores, as prostitutas, os leprosos, os cegos, os coxos, as viúvas e os pecadores. A beleza, para Jesus, não estava na arquitetura dos grandes palácios, nas vestes luxuosas dos governantes, nos banquetes da elite de seu tempo, nos fortes combatentes do Império. Para Jesus, o belo era devolver a dignidade para aqueles que tinham sido espoliados pela vida e tornaram-se o resto do povo de Israel.

Nossa época é tiranizada pela ética de uma discutível estética, porque subordinada a interesses comerciais. Ética que dita os padrões de conduta e as relações da sociedade moderna. Todas as jovens que estão fora das medidas do padrão de mulher alta e extremamente magra, são consideradas “gordinhas”. Mulheres que não chegaram ao casamento aos trinta anos são consideradas “encalhadas”. Os homens também não estão livres desta ética volátil. Todos os jovens que se dão direito aos sentimentos e choram são taxados de fracos e medrosos. O homem acima de cinqüenta anos é considerado velho demais para o mercado de trabalho.

Assim se estabelecem as relações quando a estética, a beleza da moda determinam os padrões de conduta e relacionamentos. Gordas, encalhadas, fracos, medrosos são o resto do Israel de nossos tempos.

A beleza se expressa na transparência dos sentimentos
Jesus não se deixou conduzir pela a ética da estética, da aparência e do superficial. Pelo contrário, não firmou seu conceito de belo na realidade histórica de seu tempo. Iluminou sua conduta, sentimentos e julgamentos por princípios morais não legalistas, mas vivificantes. Promoveu a vida e a felicidade em plenitude.

Ainda hoje ouvimos expressões do tipo: “homens não choram”, ou ainda “chorar é coisa de mulher”. Nossas crianças continuam sendo educadas na pedagogia do endurecimento.

Jesus nos ensinou que homem chora, sim! E chora porque é homem! E somente um homem na plenitude máxima de sua condição é capaz de comover-se com a dor de um filho que sofre, com sua esposa que passa por tribulações, com um amigo de longa data ceifado inesperadamente da vida. Somente um verdadeiro homem é capaz de recordar sua infância, as lembranças de seus pais, o convívio com os irmãos e emocionar-se com uma música que remeta a amores do passado.

As lágrimas derramadas não são atestado de carência afetiva, de fraqueza crônica, de sexo frágil. São sinais de sentimentos, de cumplicidade, de saudade e de amor. A divino-humanidade de Jesus chorou, e com ela chora nossa humanidade: choro que lava os sentimentos, purifica a alma e alivia o coração.

Acredito que o mais vergonhoso na biografia de um homem não é chorar, mas sim, recordar o nome das inúmeras pessoas que ele fez chorarem por sua insensibilidade e dureza de coração. O honroso para a biografia de um homem não está nas vezes em que sorriu, mas nas vezes em que fez alguém sorrir. Assim é a vida, lágrimas no sofrimento, lágrimas na alegria. As lágrimas acompanham o homem ao longo de sua vida. Aos homens lhes restam duas opções: um lenço para secar as lágrimas de sua humanidade ou construir um castelo de pedras onde se esconder de sua própria humanidade. Cada homem escreve sua biografia.

Vilmar Dal-Bó Maccari