quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Minha alma está triste até a morte


Foto: Figura Triste

Minha alma está triste até a morte. Estas palavras não são arranjos poéticos, refrão de música, ou título de livro. São uma expressão forte e verdadeira que saiu da boca de Jesus de Nazaré no Horto das Oliveiras durante a agonia que precedia à sua morte: “Minha alma está triste até a morte” (Mt 26,38).

Com esta expressão, Jesus revela à humanidade o pavor e a angústia vivida antes de sua morte violenta. Esse relato evangélico, mais que um convite meditativo à oração e reflexão é uma prova autêntica da humanidade de Jesus. Ele é homem. É alguém que tem sentimentos profundos e demonstra com facilidade aquilo que é autenticamente humano: alegria, bondade, amizade, tristeza e tentação. Jesus é alguém que experimenta a vida no que nela há mais humano.

Poderíamos enumerar diversas ocasiões e sentimentos que narram a vida absolutamente normal de Jesus, como a de todo homem, mas nos ateremos preferencialmente à tristeza e ao temor em Jesus, que reúne em si o temor e a tristeza de toda a humanidade.

Quando Jesus revela diante da morte que sua alma está triste e temerosa, ele não está renunciando ao cálice no qual se cumpre a vontade do Pai. Muito menos, se esquivando da cruz que lhe é confiada. Pelo contrário, Jesus está nos revelando a extensão de sua humanidade que, mesmo frágil e assustada, sujeita à dor e ao escárnio, é entregue para a realização do projeto de Deus e abrigo da humanidade.

Jesus assumiu na sua dor a dor de todos aqueles que participaram de seu sacrifício. A dor de seus familiares, dos amigos, dos discípulos, dos convertidos, e até mesmo a dor daqueles que o condenaram e o crucificaram. A tristeza de Jesus era uma tristeza profunda porque nela se reunia a tristeza da humanidade: a tristeza de ontem e a tristeza de hoje. A tristeza de toda a história.
Por mais que isso possa parecer teoria de teólogos que tentam aproximar-se do mistério cristológico, percebemos esta verdade estar mais viva no coração dos que crêem do que naqueles que se sustentam unicamente nos livros acadêmicos.

Quando sofremos, quando estamos tristes, abatidos, elevamos todo o nosso sofrimento em forma de orações e preces, e suplicamos a Deus para que se compadeça com o sofrimento que bate à nossa porta e insiste em depositar-se no mais íntimo de nossa alma.

A tristeza dos homens de ontem, as vividas hoje e as reservadas para amanhã são as mesmas e já experimentadas por Jesus naquela noite de agonia no Horto das Oliveiras. Ele assumiu por antecipação todas as nossas tristezas, das mais superficiais à mais profunda. Tristeza que o fez suar sangue. Não era a tristeza da morte em seguida na cruz, mas sim, a tristeza reservada ao mundo e experimentada em sua humanidade. Ele foi a ponte entre o ontem e o hoje.

Mas, como poderia Jesus assumir minha tristeza se não me conhecia? Como poderia carregar para si meus sofrimentos se estou há mais de dois mil e onze anos de distância dele? Diz a Escritura: Para Deus mil anos são como um dia, um dia é como mil anos! (2Pd 3, 8-9)

Se a humanidade de Jesus limitava-se ao escárnio e à zombaria dos homens e do seu tempo, sua divindade não. Para Deus não há tempo nem espaço; o ontem é o amanhã em um eterno e generoso agora! Ou seja, a dor e a tristeza experimentadas por Jesus são a minha dor e a minha tristeza assumidas em sua humanidade. Deus nos ama ao ponto de anteceder-nos assumindo para si a nossa dor. Afirmava um sábio monsenhor que conheci: “Ele antecipou nossa dor na agonia do horto para filtrá-la e deixá-la suportável e acessível conforme a humanidade de cada homem”. Como quem diz: “Ele tirou o nosso excesso e deu-nos conforme o que é possível suportar”. Aprendemos com isso que a tristeza não é maior que a misericórdia e a justiça. Isso nos leva a compreender o tamanho do amor divino. Amor condensado em coração humano.

Talvez nossa limitada capacidade de compreender o que é o amor não nos permita entender o tamanho do sacrifício de Jesus. Talvez seja esse, também, um dos motivos que o fez sentir esta profunda tristeza na alma: a possibilidade de acharmos um dia que a sua tristeza não era a nossa tristeza e o seu sacrifício não foi a causa de nossa salvação. Com ele todos nós sofremos, morremos e ressuscitamos. Foi porque estávamos com ele naquela noite de angústia e agonia que ele está conosco nas nossas noites de angústias e agonias. É nele, na sua humanidade, ontem, hoje e sempre que todo homem se encontra. Na mais profunda tristeza e na mais autêntica, singela e perfeita alegria.

Vilmar Dal-Bó Maccari



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Esperança: prescrição para vida

Foto: Frasco

Certa vez escutei de alguém de que não me recordo quem que a vida é feita de “esperas”. Passamos vida a espera de algo ou alguém, e são estas “esperas” que alimentam a dinâmica da vida. A criança espera a adolescência, o jovem a vida adulta, os pais, o nascimento dos filhos e dos netos. Assim é a vida! Vivemos a dinâmica de aguardar o que está por vir. E aguardamos com esperança, confiança e vivacidade, pois esperamos o melhor no que há de vir.

Quase sempre depositamos nossa esperança no tempo. É o tempo esta força que nos empurra para vida e também para a morte, pois é no tempo que nascemos, crescemos e morremos. É neste ciclo, vida-morte, que a vida acontece: expiramos vida e inspiramos morte.
Na infância recebemos nossos primeiros valores que, quando assumidos na juventude e na vida adulta, nos acompanham por toda a vida. Na vida experimentamos a condição de amantes e amados, de amigos do peito e de amigo de amigos, de conhecido e de estranho. É o tempo que nos aproxima e nos distancia, nos abre algumas portas e a outras fecha. Tudo no tempo da vida! Na vida é-nos reservado um momento para sorrir e um momento para chorar.

O tempo, esta força que nos faz recordar a vida e também nos aproxima da morte é, ao mesmo tempo, a força que nos oportuniza a possibilidade da esperança dando-nos um novo sentido a cada instante de vida. Eis o quarteto da existência: vida, morte, esperança, tempo.

Este quarteto me recorda uma experiência muito significativa por mim vivida: um dia, procurei um consultório médico para realizar exames de rotinas e, ao chegar ao consultório, fui conduzido até à sala de espera para aguardar a minha vez. Com o avançar das horas percebi que minha consulta estava atrasada, comecei a ficar impaciente e irritado com a demora do atendimento ao ponto de, esbravejando, ir ao encontro da secretária reclamar do atraso. Havia na sala de espera cinco pessoas que se encontravam na mesma situação que a minha, o que me deixava mais impaciente ainda. Ao fazer minha reclamação quanto ao atraso do médico, a secretária, pronta e educadamente me disse que o médico estava preso no trânsito e ela, assim como ele, nada poderia fazer. Quanta irritação!

Pois bem, essa era a condição do momento em que vivia: o tempo, esboçado no atraso do médico; a vida, que acontecia naquela sala de espera; e eu, repleto dos sentimentos de impaciência, indignação e intolerância sem nada poder fazer. Completamente sujeito e refém do tempo. Nada podia fazer contra o atraso, senão aguardar. E assim o fiz. Aguardei! Aguardei impacientemente. Tornei-me sujeito do tempo, inútil, impaciente, irritado, impotente no aguardo do médico.

O que aprendi com isso? Aprendi que o tempo não para, ele acontece independente dos meus sentimentos mais rebeldes, das minhas vontades, ele acontece tirando proveito até mesmo de minha inutilidade. Não há como evitá-lo. Nada que eu fizesse naquele momento: gritar, falar mal, dobrar o valor pago pela consulta, nada modificaria a dinâmica do tempo na sala de espera. Só havia um lugar (a sala), o tempo expresso na vida (o atraso), meus sentimentos momentâneos (impaciência e irritação) e entre eles, a esperança, possibilidade que deixei passar despercebida. Pouco soube tirar proveito da esperança, e, de fato, era esta que poderia ter dado um novo sentido àquele momento de espera.

Junto comigo, na mesma sala, estavam as outras cincos pessoas, em iguais condições marcadas pelo tempo: o atraso. Passei junto delas duas horas de minha vida e quando cheguei em casa, percebi que não recordava o rosto destas pessoas, as roupas que vestiam e, muito menos, sabia-lhes o nome. Comecei a perceber que deixei o tempo de espera que ali vivi ser dominado por sentimentos pouco nobres e me esqueci do exercício da esperança. Perdi a oportunidade de ser atendido, ainda que com atraso, mais calmo, sereno e inteiro pelo médico, pois não soube me controlar diante do tempo. Talvez dificultando e mascarando ainda mais o diagnóstico.

Percebi, tardamente, que o mais importante não era o tempo que permaneci na sala de espera, mas as pessoas que deixei de conhecer na sala de espera. Experimentei o imediato e esqueci-me da esperança. Entre as cinco pessoas que lá estavam, casualmente, nestas surpresas que a vida reservam, esbarrei com uma delas novamente em outra situação, e por ironia do destino, eu estava precisando de sua ajuda, e ela me reconheceu prontamente como: “o moço impaciente do consultório”. Assim é a esperança quando experimentada: ela tira proveito do presente em perspectiva do futuro.

A esperança não é o imediato, não é abulia. É o aguardo sereno, tranqüilo, seguro que nos faz confiar e nos permite até mesmo ser inúteis no tempo sem perder o gosto pela vida e a dinamicidade que ela de nós exige.

Não importa quanto tempo passamos na sala de espera: o que importa é como nos comportamos na sala de espera. As pessoas que conhecemos na sala de espera.
Aprendi com aquela situação que a sala de espera, a ante-sala, era mais importante do que a consulta agendada com o médico. Saí da sala de espera mais doente do que cheguei. Faltaram-me doses de esperança, paciência e compreensão, ensinamentos que prescrição médica alguma pode curar.

Vilmar Dal-Bó Maccari