domingo, 27 de fevereiro de 2011

É preciso gritar: vem para fora!

Foto: Ressurreição de Lázaro
Jesus gritou bem forte: “Lázaro, vem para fora” (Jo 11, 43).

João nos narra em seu Evangelho (Jo, 11) a morte de Lázaro, irmão de Marta e Maria, amigos de Jesus. Quando chegou ao local em que Lázaro fora sepultado e viu Maria e todos os que estavam com ela chorando, Jesus se emocionou profundamente e chorou a morte de seu amigo. Os judeus que estavam presentes murmuravam entre si: “Vede como ele o amava’’ (Jo 11, 43). Maria lançou-se aos pés de Jesus e disse: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,32). Com lágrimas nos olhos, Jesus caminhou em direção do sepulcro e disse: “Tirai a pedra!’’ ( Jo 11, 36). E Jesus gritou bem forte: “Lázaro, vem para fora” ( Jo 11, 43). E o morto saiu do sepulcro.

Cada vez que leio este Evangelho fico maravilhado com a extensão da humanidade de Jesus e me surpreendo como a nossa humanidade se identifica com a dele. É impressionante sabermos que Jesus chorou a morte de um amigo e se compadeceu com a dor e os sentimentos de tristeza e perda da família de Lázaro. Ele sentiu os mesmos sentimentos que nós sentimos quando perdemos alguém que amamos: um sentimento de vazio, de saudade, de solidão. A experiência do confronto entre o divino e o humano, o tempo e a eternidade.


Jesus derramou suas lágrimas pela morte de um amigo amado, mas também comoveu-se com as lágrimas de dor de Maria e Marta que tinham enterrado o irmão amado. As lágrimas de Jesus confundem-se com as lágrimas de quem ama. Não tenho dúvida em afirmar que quando nossas lágrimas caem, as lágrimas dele se confundem com as nossas e é por isso que, quando superamos nossas dores, é com o sorriso dele que sorrimos. Então as lágrimas de Jesus, derramadas por Lázaro, de certa forma também foram as nossas: com ele todos choramos e todos sorrimos, com ele todos morremos e com ele todos ressuscitamos.


Tenho alguns amigos que são para mim verdadeiros ‘’Lázaros’’. Pessoas que amo, por quem derramo minhas lágrimas no sofrimento, empresto meus ouvidos para os momentos de desabafo e coloco meus ombros à disposição para que sirvam de sepulcro e possam inclinar a cabeça em momentos difíceis. Amigos ‘’Lázaros’’ que estão vivendo suas crises pessoais: desacreditados do trabalho, dos relacionamentos, do amor, enfim, da vida. Cada vez que encontro esses “Lázaros’’ tento rolar a pedra do sepulcro que os aprisiona. Mas, enquanto a pedra não for removida, por mais que me esforce, eles não conseguirão ouvir meu grito forte: “Lázaro, vem para fora”. Vem para vida! Recomeça! Sai desta crise paralisante.


Existe um ‘’Lázaro’’ muito especial para mim, de quem admiro o caráter, a retidão, inteligência e fé, que nos últimos meses vem sofrendo muito com os enfrentamentos da vida. Cada vez que conversamos sobre suas culpas e dores, o passado vem à tona no presente da vida e prejudica suas ações futuras. A cada conversa não me canso de gritar forte para esse amigo: ‘’Vem para fora”. Rola a pedra que o prende, esquece o que passou, liberta-te de pensamentos que não mais te pertencem, concede “alforria’’ a ti mesmo, aos teus sentimentos. Inclusive, a quem já te “alforriou’’ e tu insistes em manter preso nas algemas dos teus sentimentos de culpa e fracasso. Não te atenhas aos que te fizeram sofrer, que não compreenderam teu amor, liga-te aos que ‘’murmuram’’ em teu favor: “Veja como eles o amam”. Às vezes, tenho a impressão de que esse meu amigo “Lázaro” se acostumou com a sepultura e com os sentimentos de pena e compaixão dos que estão à sua volta, e se esqueceu de ressuscitar.

Jesus amava Lázaro como amo a este amigo, e não desistirei dele como Jesus não desistiu de Lázaro e, sempre que me deixar, gritarei cada vez mais forte: Lázaro, Lázaro, vem para fora! Vem para a vida. Ressuscita! Olha a beleza, as pessoas que estão à tua volta. Acredita em tua capacidade, no teu caráter, na tua beleza, em tua fé. Não te contentes, amigo, com o sepulcro úmido, escuro e sem vida. Principalmente, não te amarres aos construtores do sepulcro, mas sim, àqueles que tentam ajudar-te a rolar a pedra.


Amigo “Lázaro’’, vem para fora! Queremos parar de chorar. Ouve nosso grito. Escolhe a ressurreição. Mas se, por acaso, escolheres permanecer no sepulcro, saibas que estarei aqui, do outro lado, onde a vida acontece, gritando a Deus por ti: “Lázaro, vem para fora”.



Vilmar Dal-Bó Maccari

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sinais do sagrado: o mosaico da vida

Foto: Mosaico O Senhor

Todo ser humano, por mais racional e lógico que pareça, em algum momento de sua vida se confrontará com a célebre pergunta existencial: - Quando Deus agiu na minha vida?
Somos racionalmente movidos por questionamentos e respostas, certezas e incógnitas. Talvez isso seja, para os antropólogos, a maior dinâmica evolutiva que não esgota o estudo da condição humana. Questionar-se, em algum momento da vida, sobre a intervenção divina na ordem imanente da vida humana é, explicitamente, o primeiro movimento de abertura do humano para o sagrado. O humano pensa Deus! Ele busca perceber e compreender seus sinais, e até mesmo afirmá-lo, para que possa negá-lo quando desacreditado da vida. Interpelar-se por Deus é da condição humana.

Ao aterrizarmos no chão da vida e no concreto da história, em consonância com todos os conceitos que tangem ao homem, percebemos a sede humana por Deus. É Deus quem nos guarda de todos os perigos, nos ajuda nas horas difíceis, abre os caminhos para novas oportunidades, nos dá força para prosseguir, enfim, Deus é para o homem um eterno agora no mosaico da vida: cabe ao homem montar harmoniosamente as peças que o constituem.

Os sinais de Deus nesse mosaico não são intervenções mirabolantes e apoteóticas que causam pasmo e rompem com os postulados do ordenamento da vida. Pelo contrário, são sutilezas divinas que necessitam de igual sutileza humana para serem percebidas no cotidiano. Há sinais de Deus nos relacionamentos afetivos, no ambiente de trabalho, na enfermidade, nos momentos de crise e nas conquistas pessoais e comunitárias. Jamais haverá vácuo entre o homem e Deus. Deus acontece na medida em que o homem acontece. Mesmo que não dependa do homem para acontecer, a linguagem humana é sempre canal de comunicação de Deus com o humano: podemos afirmar que nossa humanidade, nossos afetos, sentimentos e consolos estão repletos da presença divina.

Quanto mais amamos e nos deixamos amar, mais nos tornamos sinais de Deus. Quanto mais cumprimos nosso dever profissional pautados em princípios éticos e morais, mais somos sinais de Deus no mundo do trabalho; quanto mais dignificamos nossos relacionamentos afetivos, orientando-nos numa sexualidade equilibrada e sadia, comprometida com o amor e não com o prazer egoísta, mais somos sinais de Deus no mundo. Deus age no equilíbrio de nossos afetos, relacionamentos e conduta. Quanto mais equilibradas, fiéis, honestas e justas forem nossas atitudes, mais sentiremos os sinais de Deus em nossa vida e, conseqüentemente, tornamo-nos sinais de Deus no mundo.

Quando não tomamos consciência de que o maior sinal de Deus na nossa vida é a possibilidade de ser sinal de Deus para a vida do outro, passamos a vida toda à espera de um estrondoso milagre que poderá não acontecer. Ser sinal de Deus no mundo é ser referência em uma sociedade relativista e fragmentada pelo individualismo e a descrença, ante-salas da corrupção, da traição, do vandalismo e da promiscuidade.
Os sinais de Deus no mundo são convites para fracos e fortes, para santos e pecadores. Na verdade, são o convite divino para sermos verdadeiramente humanos no mosaico da vida.

Vilmar Dal-Bó Maccari

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A ditadura da positividade

Foto: Um grito de liberdade

Por favor, deixe-me sofrer. Demonstrar toda minha fragilidade, minha angústia e minha dor. Dê-me o direito de chorar, de sentir-me fraco, de ficar só. Permita confrontar-me com o silêncio ríspido que habita em meu peito. Não impeça minhas lágrimas de caírem, meus lábios de sussurrarem, minhas mãos de tremerem. Não me obrigue a vestir a roupa de um super-herói, de ser o mocinho da trama perfeita quando tudo parece imperfeito. Deixe-me viver minhas dores, meus acertos e derrotas, meus conflitos e minhas incógnitas.

Não me faça vítima do “está tudo bem”, ou do “você é forte!” da falsa alegria que possa lhe agradar.

Deixe-me chegar em segundo lugar. Deixe-me não ser o mais brilhante, o mais forte, estar fora dos padrões convencionais de estética e não pense que sou um derrotado. Deixe-me ser o que sou, o que vivo, o que sinto e o que acredito. Deixe-me fazer o que gosto, ser feliz para mim mesmo e não para agradar os outros. Livre-me da ditadura da positividade que esconde meus sentimentos, dúvidas, medos e produz alguém que sou e desconheço. Deixe-me lidar com meus medos, resolver meus problemas, acolher minhas incertezas. Deixe-me cair, sofrer, arriscar. Mais vale a liberdade que acolhe o sofrimento, do que a pressão da ditadura que impõe a felicidade.

Deixe-me sofrer, quem sabe, assim, após tudo, sorrirei melhor e mais livre para você.

Vilmar dal-Bó Maccari