segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quando a alegria bater à sua porta

Foto: Alegria bate

Padre Fábio de Melo é autor de uma obra muito interessante, intitulada: Quando o sofrimento bater à sua porta. Com muita sensibilidade e profundidade, suas características, aborda a temática do sofrimento de forma madura e propositiva. O sofrimento, afirma Melo, é destino inevitável de todo homem, porque é fruto do processo que nos torna humanos. O grande desafio de sofrer, ressalta, está em saber identificar os sofrimentos que valem a pena ser sofridos e como potenciá-los em momentos de crescimento e amadurecimento. A partir deste ponto, é necessário fazer perceber que o sofrimento não é necessariamente um estado definitivo, mas uma oportunidade que nos leva ao amadurecimento e ao desenvolvimento das forças mais nobres e encorajadoras que habitam a pessoa que sofre. O sofrimento é, antes de tudo, um lugar oportuno para provarmos nossos mais íntimos valores e deixarmos que eles aflorem em um límpido processo de humanização e purificação, salienta.

Recebido de forma tão serena esta compreensão a respeito do sofrimento, aventuro-me a dar um passo na contramão do sofrimento e mergulhar na experiência da alegria. Essa aventura, por ora, pode parecer antagônica ao sofrimento, porém, não ouso desvinculá-los, pois acredito que o sofrimento e a alegria caminham juntos, são como letras e melodias que constituem o mesmo verso, sendo que cada um cumpre seu papel para garantir a beleza poética do poema.

Diante do sofrimento, afloram as mais fortes experiências do limite humano. Sofremos porque somos limitados, fracos, restritos, dependentes. Diante dos sofrimentos, estamos sujeitos ao que há de mais humano: cólera, irritação, medo, revolta, indignação, desespero, dor, angústia. É no sofrimento, também, que nos deparemos com a exigência da reagir, não esmorecer. Agora, afastando-se momentaneamente do sofrimento, pergunto: Quando a alegria bate à nossa porta, o que em nós aflora? Barulho, algazarra, gritaria, extravasamento? Sorriso, comunicação, benevolência, gesto de amor?

A que está vinculada a alegria? Há uma força interior que nos faz sorrir, praticar gestos de amor e tornar o ambiente em que habitamos mais agradável e prazeroso a quem nos circunda ou há uma ação externa que eleva ao máximo nosso entusiasmo para uma euforia momentânea. Do que depende a alegria? Tirar dez na prova? Ganhar um aumento salarial? Comprar o carro do ano? Degustar a comida preferida? São as alegrias eternas e duradouras a que almejamos ou são momentos eufóricos de conquistas pessoais voláteis?

É claro que tirar dez na prova é motivo de alegria. Comprar um carro novo, comer a comida preferida são, sem sombras de dúvida, motivos para alegrar-se. Mas ao homem cabe ir além, não ficar na superficialidade, questionar-se: as conquistas humanas que nos fazem felizes respondem à ética da realização humana? O dez na prova, o aumento de salário, o carro novo, aquele prato delicioso, me fazem mais homem, mais justo, mais humano? Qual a ética e o sentido da minha alegria e do que me alegro? Alegro-me com a superficialidade, com o periférico ou com aquilo que há de mais valioso na existência humana?

Há quem experimente a alegria como o usufruto do que alcançou na vida. Há aqueles que experimentam a alegria de forma mais profunda, ou seja, na busca de dar sentido às coisas alcançadas; ter profundidade, cultivar soluções e esperanças. Sob esta ótica se estabelece a diferença entre a alegria como pura realização mundana e a alegria que dá sentido a vida. O dilema da alegria, por certo, não está em tirar dez na prova, no carro do ano, ou na função que ocupamos, mas sim, no sentido e na intensidade que o indivíduo dá e como lida com aquilo que é passageiro e o alegra. A felicidade e a alegria o libertam, ou pelo contrário, lhe fazem mais prisioneiro da arrogância, da prepotência e da auto-suficiência?

Quanto bem faz a alegria! Quanto bem faz um palhaço, um comediante, um humorista que, com sua graça, coloca o sorriso e a alegria nos lábios e nos corações das pessoas. A alegria que se doa ao outro, ninguém pode retirar. Mas, a alegria que aprisiona e individualiza é capaz de corroer, aniquilar, alienar.

A alegria é, de fato, a melhor companhia para enfrentar o sofrimento. O sofrimento e a alegria não são antônimos, se esbarram com freqüência na vida daqueles onde aportam. Os portadores da alegria e do sofrimento definem o tamanho e a intensidade deste aporte.

Pela fé, semeamos entre lágrimas para colher com alegria. A identidade do cristão não é nem o sofrimento e nem a fuga das ocasiões de alegria, mas sim, é plasmada na alegria de Deus. E esta alegria é a nossa força! Mesmo que não venha o dez na prova, o carro do ano, o aumento de salário, ou que o cardápio não tenha aquilo que mais apreciamos, pouco importa, pois com tamanha dignidade e verdadeira alegria, sabemos acolher a nota que nos é justa conforme nosso desempenho e dedicação, temos noção de que nosso carro nos leva onde queremos mesmo não sendo o carro do ano, que nossa competência está acima de qualquer remuneração e que, para quem tem fome, arroz e feijão são banquete.

Assim é a lógica da alegria cristã, alegria que contorna os percalços da vida, não aliena, não oprime, não escraviza: faz o homem mais homem no desenrolar da vida.