terça-feira, 12 de abril de 2011

Nos passos do Senhor dos Passos

Foto: Nos passos do dos passos

Como acontece desde 1766, no final de semana que antecede o Domingo de Ramos, as imagens do Senhor dos Passos e da Virgem das Dores ganham as ruas de Florianópolis e anunciam que a Páscoa está próxima. Tradicionalmente, este é um dos mais importantes eventos do calendário católico da cidade. Faz parte de sua história. Expressão de fé e devoção popular do povo da cidade que se enfileira e se acotovela em torno das ruas e praças para acompanhar a procissão e contemplar as imagens que passam.


Tudo é belo! Na verdade, de um ano para outro pouca coisa muda. O trajeto é o mesmo. A Irmandade segue costumeiramente engalanada com suas opas roxas. O que muda é que a cada ano um novo pregador é convidado para proferir o Sermão do Encontro na procissão de domingo à tarde. Esse sim, muda! Às vezes para melhor, outras para pior. Depende do pregador e dos ouvidos atentos dos fiéis. Isso em nada diminui a fé e a devoção ao Senhor dos Passos.


Tudo permanece igual: ao lado do senhor Arcebispo seguem o cortejo os políticos respaldados pelos resultados das urnas e autoridades públicas, e um pouco mais atrás, aqueles que não tiveram bons resultados, sentiram o amargor das urnas. Esta ordem no cortejo não é dogma de fé e pode alterar-se de quatro em quatro anos, conforme o sufrágio eleitoral. Alguns fazem cara de homens piedosos que se deixam conduzir pelas virtudes do cristianismo, outros, aproveitam para rever e acenar a seus eleitores e medir seu “IBOPE” no povo. Logo atrás, não somente atrás, mas ao lado e à frente, caminha o povo, tentando acreditar que elegeram um homem de fé.


Assim caminha o Senhor dos Passos e a Virgem das Dores: conduzidos em andores nos ombros de seus fiéis e devotos, alguns não tão devotos, mas que vivem e estão à busca de “votos”. O Senhor dos Passos caminha a passos lentos. Lentidão oportuna para, do alto de seu andor, ouvir as queixas de todos os que o acompanham: o trânsito caótico da cidade, a insegurança nas ruas, a corrupção institucionalizada, a moeda verde que se tornou moeda de barganha na denominada “casa do povo”.


O Senhor dos Passos escuta tudo a seu redor e aproveita este momento em que desfila pela cidade para divagar sobre novas possibilidades. Como a possibilidade de mudar seu translado e, quem sabe, visitar o povo do outro lado da ponte, o Continente. Mas para isso, precisaria contar com o metrô de superfície ou com os barcos russos prometidos para a travessia marítima. O Santo poderia, ainda, utilizar-se de um trajeto alternativo como a ponte Hercílio Luz, mas esta deveria estar concluída da sua longa e inacabável obra de restauração. Como nada aconteceu, e o trânsito nas duas pontes é por demais engarrafado, o Santo é forçado a continuar trilhando seu percurso tradicional. Dizem que até este já está tombado!


Assim é a vida, assim é a história, assim é a dor da Virgem das Dores que encontra seu Filho e seu povo em aflição. No encontro das imagens, Mãe e Filho chegam à mesma conclusão: pouco mudou! Mãe e Filho, juntos, voltam para seus altares. Um misto de alegria e sofrimento os acompanha: alegria em ver que a fé do povo não esmorece mesmo diante de tantos descasos; sofrimento, pois constatam que pouca coisa mudou da procissão dos anos anteriores, e não estão se referindo ao cerimonial litúrgico.


Mas a Virgem das Dores e o Senhor dos Passos não se deixam por vencer, sabem muito bem que no próximo ano eles voltarão às ruas, carregados pelos braços do povo, e cultivam a esperança de verem algo de novo. Identificam-se com a sabedoria popular: “A esperança é a última que morre”. E é mesmo!


Invoquemos confiantes a Virgem das Dores e o Senhor dos Passos, para que aliviem nossas dores e acompanhem nossos passos.


Vilmar Dal-Bó Maccari