quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Dona Lúcia e seu avental

Maria Madalena

Dona Lúcia, mulher “sem fineza”, pessoa que conheço desde os tempos de infância, é uma daquelas senhoras que vale ser conhecida. Coração de ouro, esposa zelosa, mãe dedicada, avó coruja, mulher de fé. Talvez dona Lúcia seja igual a “tantas e tantas” outras senhoras que se dedicam a fazer o bem às pessoas. Bem, eu não conheço “tantas e tantas” outras senhoras com os mesmos predicados de dona Lúcia, por isso, atenho-me a ela, ou melhor, àquilo que aprendi com ela.

Dona Lúcia é mulher do avental, e quem veste avental não tem medo nem preguiça para o serviço: limpa, cozinha, trabalha, serve. O avental de dona Lúcia é um sinal-testemunho. Ela vive com o avental manchado para preservar e poupar os que estão à sua volta: filhos, parentes, amigos. As manchas no avental garantem que nem um pingo de sujeira caia nas roupas de seus queridos.

Assim deveria ser nossa vida: vestir o avental da gratuidade, do favor e da gentileza. Quem sabe, filosofar menos e servir mais!

Muitas vezes somos tentados pelo jogo da aparência, do conhecimento letrado e da intelectualização desmedida: aposentamos o avental na gaveta e nos cobrimos com as vestes luxuosas da arrogância, soberba, prepotência e vaidade.
As vestes luxuosas são mais atraentes do que o avental da dona Lúcia, mas não carregam marcas de amor: o bordado ponto-cruz da vovó, as manchas da massa do bolo de cenoura, o vermelho do molho-de-tomate do cachorro quente, as manchas de óleo da fritura. As vestes luxuosas não lembram os almoços de domingo, a reunião de família, as louças lavadas, a visita dos netos, o prato preferido dos filhos, a família reunida.

Felizes os que preferem o avental, a simplicidade, pessoas e relacionamentos.
Na última Ceia, o próprio Jesus vestiu o avental da simplicidade para lavar e enxugar os pés dos discípulos. Deixou-nos o gesto concreto do serviço: seu avental é sua estola diaconal.
Nossas famílias perdem a espiritualidade do avental, serviço, simplicidade e união. Quanto mais se aposenta o avental, mais se esquece seu sentido.

Um avental antigo, surrado, servido, eterniza recordações, memórias, lembranças. Uma veste luxuosa, ao longo do tempo sai da moda, fica em desuso e acaba num brechó.
Vaidade, soberba, conhecimento, tudo passa, mas, o gesto bonito de simplicidade de quem veste o avental, não passa.

Os pais não gostam de apresentar aventais para seus filhos: é fora de moda, preferem as parafernálias eletrônicas. Tudo passa!
Quanto a dona Lúcia, sou feliz por vê-la feliz com seu avental surrado. - Quem herdará o seu avental? Todos, lá em casa, estamos ocupados demais com os equipamentos que facilitam a vida. Triste sina: pobre e órfão avental, pobres órfãos sem avental!

Vilmar Dal-Bó Maccari