segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Manjedoura urbana: a hospedaria do abandono

Foto: Faces de uma mesma história

“Envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura,
pois não haviam encontrado lugar na hospedaria.”
(Lc. 2,7).

Lucas, em seus Evangelho da Infância, descreve com muita riqueza de detalhes o mistério da encarnação e o nascimento do menino Jesus. Comumente estes textos referentes à anunciação e ao nascimento do menino Jesus são meditados e rezados pela Igreja no tempo litúrgico do advento que, de forma pedagógica e doutrinal, preparam os cristãos para a festa do Natal: a chegada do menino Deus entre nós.

A grandeza e a mística que percorrem esses textos, porém, não se esgotam nas semanas que antecedem o Natal. Cada vez que meditamos o nascimento do menino Jesus, qualquer que seja a época do ano, nos defrontamos com um dos mais belos e complexos mistérios da vida cristã: Deus armou sua tenda e veio habitar entre nós. É a salvação, o amor, a misericórdia e a justiça que entram na história, no tempo e no espaço. O divino assume a condição humana e, na noite de Natal, Deus se revela de maneira pobre, em uma pobre gruta, num pobre menino: no menino de Nazaré encontramos a face humilde de Deus revelada à humanidade.

Essa compreensão, num primeiro momento, pode até parecer pura especulação teológica com certas doses de ideologia e até mesmo esvaziar alguns elementos históricos para a prática da vida espiritual orante, mas, se ousarmos alargar os horizontes de nossa compreensão, perceberemos que a condição divino-humana assumida na noite do Natal se atualiza a cada dia no concreto da vida; e que a estrela que guiou os Reis Magos até a gruta de Belém, continua guiando-nos até os pobres de nosso tempo.

Nos grandes centros urbanos existem inúmeras grutas pobres de Belém: orfanatos, abrigos, casas de acolhimento e creches. Todas abarrotadas de crianças abandonadas, sem muita infra-estrutura e carentes pela falta de recursos e apoios, mas, mesmo assim, na pobreza de Belém, são sempre solícitas em acolher um pequeno abandonado quando este bate à sua porta. Ali se encontram meninos e meninas pobres envoltos em panos, crianças que não conseguiram encontrar lugar em uma hospedaria familiar, um direito de toda criança. A estas sobrou a manjedoura de Belém.

São filhos de “Marias”: Maria das Dores, Maria Mãe Solteira, Maria da Aflição, Maria do Abandono, Maria do Desemprego, Maria da Droga, Maria da Prostituição, Maria do HIV, Maria que está no Céu. Filhos de “Josés”: José Operário, José Desempregado, José Carcerário, José Fugitivo, José Assassinado, José Alcoólatra, José Falecido.

Estas grutas de Belém estão lotadas de meninos não-Deus, mas de meninos filhos de Deus, que esperam por uma estrela do Oriente que conduza até eles bondosos e acolhedores Reis Magos. Não esperam ouro, incenso e mirra, muito menos vídeos-game, bicicletas e computadores: aguardam um lar, uma família, uma Maria de Nazaré, um José justo e virtuoso. São crianças nascidas na história, vítimas da história, presentes no tempo e no espaço.

O presépio de Belém é a realidade de nossas casas de adoção. Não precisamos esperar o Advento, montar o presépio, acender as luzes da árvore de Natal para sentirmos o espírito natalino. O presépio real acontece a cada dia. Inúmeras estrelas do Oriente apontam para esta situação de abandono. Não precisamos esperar o dia 25 de dezembro para mergulharmos na mística do Natal: é natal todo dia nas grutas urbanas de Belém.

Vilmar Dal-Bó Maccari