quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Joelhos e corações ralados: o mertiolato da esperança

Foto: criança ferida
Parei para pensar: por que os joelhos ralados da infância cicatrizam mais rápido do que o coração ferido de “homem feito”. Lembrei-me dos tempos em que as gotas de mertiolato ardiam com intensidade quando derramadas sobre as feridas mas, mesmo assim, não cessava o desejo de voltar a brincar, correr riscos, desafiar os limites e novamente tornar a ralar os joelhos.

Com o coração é tudo diferente. Quando este é ferido, machucado, magoado, mesmo que seja derramado nele um frasco completo de mertiolato, ainda encontra dificuldades para voltar a ser o que foi. O coração de “homem feito” não é como os joelhos de crianças, o mertiolato aplicado sobre ambos pode até ser o mesmo, conter a mesma fórmula, provocar o mesmo ardor, mas o tempo e o processo de cura e cicatrização são diferentes.

Os joelhos ralados de criança, por mais vezes que sofram um grave acidente, nunca se cansam da esperança de recomeçar, temem a dor e o ardor provocado pelo mertiolato, mas estes não são maiores do que o desejo de voltar a brincar.

O coração, por sua vez, uma vez ferido encontra dificuldades para pulsar no mesmo ritmo, fecha-se ao recomeço e a novas oportunidade que a vida pode lhe oferecer, encoleriza-se pela raiva e pelo ódio, atem-se ao ardor doloroso do mertiolato e não consegue vislumbrar a cura que esse pode lhe oferecer.

Um velho dito popular diz: “O que arde cura”. Somente aquilo que possui a propriedade de arder é capaz de curar: o perdão, a misericórdia e a compaixão são os melhores mertiolato do coração, são verdadeiros antídotos que fazem arder, pois exigem abertura, humildade, reconhecimento e benevolência para conceder e receber a cura através do perdão.

Na passagem dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) os discípulos comentavam: “não nos ardia o coração quando Ele nos explicava as Escrituras?”. Jesus, com seus ensinamentos, sua presença amiga e com o partir do pão, a Eucaristia, curava o coração dos discípulos feridos pela frustração, pelo desânimo e pelo fracasso de terem perdido o Mestre no drama da cruz. Jesus derruba sobre eles o mertiolato da esperança e os faz novamente acreditar: “não ardia o nosso coração quando Ele nos explicava as Escrituras?”.

Todos precisamos derramar um pouco de mertiolato sobre nossas feridas: o mertiolato da fé quando tudo parece obscuro, o mertiolato da esperança quando nada mais faz sentido na vida e, quem sabe, o mertiolato da caridade, quando nos sentimos abandonados. Todos nós somos carentes de curas. E. não esqueçamos, nas dores do coração, que melhor aplica mertiolato é o Pai. Ele permite as quedas, mas logo vem sarar as feridas.

Aparentemente, os joelhos ralados são mais fáceis de tratar do que as feridas do coração: basta derramar algumas gotas de mertiolato e uma porção de disposição para recomeçar e tudo parece resolvido, enquanto que o coração, mesmo que seja derramado sobre ele “todo o mertiolato do mundo”, se não houver algumas doses de humildade, simplicidade e amor tudo é em vão. O que arde cura, mas somente o amor cicatriza!
Não tenhamos medo de mertiolato, principalmente dos mertiolatos da espiritualidade, da oração, do sacrifício e da caridade. Como companhia, sempre chega um soprinho gostoso de quem o aplicou e as mesmas e tradicionais palavra: “viu só?, nem doeu”. E não dói mesmo! Mertiolato só dói quando se esvai a esperança daqueles que estão feridos.

Vilmar Dal-Bó Maccari