quinta-feira, 5 de maio de 2011

Seus olhos azuis e a ressurreição

Foto: Longe de mim



Esta semana visitei um velho amigo que está muito distante, faz-me muita falta. Meu coração batia no compasso da saudade. Não consegui suportar e fui visitá-lo. Ao chegar onde ele se encontra vieram à tona intempestivas recordações e lembranças de momentos significativos em minha vida.

Verdade seja dita: eu não era o melhor amigo dele. Muitas vezes, até de meu nome se esquecia, da mesma forma como ele não era meu melhor amigo, mas isso pouco nos importava, pois, quando estávamos juntos, quando conversávamos, estabelecia-se uma relação de amizade recíproca: sem cobranças, posições ou ditames.

Nossa amizade era sempre marcada por encontros pontuais, às vezes acompanhadas de um jogo de dominó, de um café, uma pizza ou uma dose de licor. O mais importante, porém, era a conversa que tínhamos: um misto de partilha, orientação, “broncas”, “puxão de orelhas” e, como toda conversa de amigos, havia sempre convergências e divergências. Um de nós sempre tinha que ceder, geralmente eu, mas isso não me incomodava e também não quer dizer que concordasse com tudo. Mas, era tão bom estar ali, que naquele momento não me importava ganhar ou perder. Quando estamos em companhia agradável, ônus e bônus são relativos. O amor facilita a perda, suporta o fracasso, admite a inutilidade. Somente o amor!

Nesta visita que lhe fiz, relembrei-me do grave tom de sua voz, seu vocabulário erudito e bem articulado que sempre encontrava lugar para uma expressão em latim, alemão ou italiano. Bem diferente dos meus outros amigos que, assim como eu, tropeçamos no português e soletramos algumas sílabas em inglês. Nossa amizade não tinha formalidades. Quando a conversa se alongava, sem cerimônias ele mesmo dizia que estava na hora de terminarmos a prosa, e eu, claro, tentava “espichar” sempre um pouco mais. Ele, porém, respondia-me: “Negão, tu tá querendo é conversa”. E estava mesmo! Queria ouvi-lo. Queria orientações. Fascinava-me com suas lições de moral, às vezes por demais intransigentes. Mas esse era o fascínio, falava-me de coisas que ninguém mais falava ou que poucos homens tinham coragem de falar. Quanta falta me faz!

Para uns, ele era intransigente, para outros, conservador, ainda havia aqueles que o consideravam um homem desconectado dos tempos atuais. Mas, para mim, filho deste tempo, fruto desta época, conectado a esta geração, tinha-o como referência. Seus ensinamentos ressoavam em minha consciência e prática de vida como se fosse um escotismo de outrora. Falava-me do que eu queria ser e lembrava-me do que eu não era.

Mesmo longe, escuto sua voz firme, seus olhos azuis brilhantes, quando não lagrimejados, ao falar-me do maior ideal de sua vida: Jesus Cristo.

Quando o visitei, recordei aquele homem inteligente, erudito, altivo, decidido, de postura firme, que não transgredia quando o assunto era moral e agora, pela dinâmica da vida, tornar-se-ia refém de uma lápide.

Pensei: será que esta lápide teria força de enterrar e aprisionar tudo o que aprendi com ele? Não! Certamente não! Ela pode reter a corporeidade, as cinzas, o limite do humano, mas jamais sepultará a beleza de seus olhos, a comoção com que nos falava de Cristo, a ressurreição implantada no coração de tantos jovens.

A lápide que ele suporta não é maior do que aquilo que experimentamos, do que a tocante experiência que nos fez mudar. A lápide, assim como o que é humano, se decomporá na liturgia do tempo, mas o que recebemos dele, não.

Saudades deste amigo! Dos seus olhos azuis, de suas lágrimas, de seus ensinamentos, posições polêmicas e até mesmo de suas broncas. Fica-nos, então, a certeza da ressurreição!


Vilmar Dal-Bó Maccari