sábado, 25 de fevereiro de 2012

Quem és tu?

Figura: Tua face

Essa é a primeira pergunta que faz um iniciado na fé: Quem é Jesus? Uma pergunta simples, direta e objetiva que, a princípio, sugere uma resposta também objetiva. Uns buscam em Jesus uma figura doce, passiva, conciliadora, um Jesus “paz e amor”; outros, um Jesus guerreiro, militante, libertador, “o Jesus das massas”. Há ainda aqueles que buscam em Jesus a figura de um homem público exemplar: um bom orador, um filósofo, um intelectual, “um Jesus das urnas”. A literatura faz de Jesus um psicólogo, o maior que já existiu, um líder vitorioso em gerência organizacional e vendas. Um executivo bem sucedido, o mestre na arte de motivar pessoas. Um Jesus à moda “Lair Ribeiro”, “Daniel Godri”. Em suma, fazem de Jesus, da pessoa de Jesus, a resposta ideal que se adequa à necessidade de quem pergunta: Quem é Jesus?

O desafio, porém, de responder quem é Jesus não é recente. Seus discípulos, apóstolos e simpatizantes tinham a mesma dificuldade: conhecer Jesus. O texto do evangelista Mateus narra esta dificuldade que intriga o próprio Jesus. Disse Jesus: “Quem diz o povo ser o filho do homem? E eles responderam: Uns dizem João Batista; outros: Elias; e outros: algum dos profetas” (Mt 16, 13-14). Como se respondessem: um psicólogo, um político, um curandeiro, um filósofo, um comunista. Essa controvérsia a respeito da pessoa de Jesus, já presente em seu tempo, exprime a verdade de que Jesus era uma pessoa fascinante e um tanto quanto difícil de ser descrita. É um homem comum, mas fala com autoridade de profeta. É um Judeu, mas vive segundo a Lei do amor. É contradição para seus contemporâneos, mas aponta um caminho de unidade que o denomina como verdade e vida. Natanael, um de seus discípulos, não temeu em reconhecer Jesus: “Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!”(Jo 1, 49).

Assim como ontem, Jesus, hoje, continua sendo uma resposta difícil de compreender. Enquanto alguns teólogos assumem essa árdua tarefa de aproximar-se cada vez mais do Jesus histórico, místicos e mestres em espiritualidades sugerem que, ao invés de compreendermos as teorias que apontam para Jesus, devemos experimentá-lo, ou seja, buscar uma vida de intimidade e oblação com o ressuscitado.

Meu professor de Cristologia, ao abordar a figura de Jesus de Nazaré, sempre foi enfático ao afirmar que só podemos aproximar-nos do acontecimento Jesus à medida que caminhamos ao seu encontro com passos históricos e passos de fé. Isso significa dizer, a medida que aceitamos o fato real de sua existência, dando-lhe um nome, uma geografia, um tempo, uma família, um ofício e recordando as mediações salvíficas acontecidas na história que o fizeram ser reconhecido como o Rei, o Senhor, o Messias, o Cristo, o Ungido, o Filho de Deus Vivo. São estes passos, na história e na fé, em perfeita sintonia, sem extremismos, reducionismos e exageros, que nos permitem conhecer e experimentar Jesus de Nazaré.

Minhas conclusões acadêmicas estabelecem que, quando o divino entra na história através do Mistério da Encarnação, junto com ele nós damos um passo na história para contemplarmos o divino. Escreve o Evangelista Mateus: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém” (Mt 2, 1). E continua: “Entrando na casa viram o menino com Maria, sua mãe e, prostrando-se, o adoraram” (Mt 2, 11). Junto com os reis magos nós damos um passo na história, vamos a Belém para conhecer Jesus, e assim, o adorá-lo. O primeiro passo, o passo histórico, é aquele que firma o chão, o tempo e o espaço para que possamos ajoelhar-nos e dizer: viemos adorá-lo. Não é possível chegar ao menino sem ir a Belém. Não é possível contemplar Jesus Cristo sem entrar na história nos dias do rei Herodes.

Estas reflexões são pertinentes para refletirmos os passos que damos na história e na fé ao falarmos de Jesus de Nazaré, o Cristo. É possível que ainda estejamos longe de responder de forma una quem é Jesus de Nazaré, mas, por certo, estamos cada vez mais próximos de afirmar quem não é Jesus de Nazaré: o mágico, o ilusionista, o curandeiro, o pop star.

Depois de ruminar tudo o que recebi a respeito de Jesus de Nazaré nos bancos acadêmicos e nas experiências religiosas, concluo que em Jesus encontramos a plenitude de todas as realidades. No calvário, se escondia toda a sua divindade, e hoje, em sua presença sacramental, se esconde toda a sua humanidade. Creio em ambas (cf. Adoro te devote, de Santo Tomás). No seu penhor de sacrifício real e humano datado na história e no tempo, bem como em sua atualização sacramental na comunidade quando esta se reúne, se faz memória, e celebra-se o sacrifício. É realmente um movimento pendular de fé e história.

Falar de Jesus Cristo realmente não é fácil, mas é vital e fascinante. É um desafio que se perpetuará nos séculos. É um mistério que não se esgota, uma paixão abrasadora que não se apaga, um amor que não finda. É o desejo de atualizá-lo diariamente perguntando a si mesmo: Quem és tu em minha vida?