Há quem diga que maio é o mês
mais feminino do ano. Também pudera: o calendário civil reserva para maio
agradáveis festividades femininas como o dia das mães, o mês das noivas, a
abolição da escravatura, assinada por uma mulher. A Igreja Católica, por sua
vez, dedica o mês de maio a Maria, o mês mariano. Maio é verdadeiramente o mês
mais rosa do ano, se é que podemos associar a cor rosa à feminilidade sem
cairmos no dualismo: menino azul e menina rosa.
Até hoje, tudo o que li e escutei sobre a figura
materna pouco me chamou a atenção. Nada de muito criativo. Geralmente aproximam
a figura de mãe à imagem de Maria e a comparam com um “anjo”, “como a
flor mais bela do jardim de Deus”, “aquela que atualiza Maria no cotidiano da
vida”. Nada contra a figura de Maria, e nada contra a semelhança materna
que liga toda mãe à maternidade divina de Maria. Mas, verdade é que quando se
propõe refletir a singularidade de ser mãe, nada de muito novo e criativo, a
meu ver, emerge. Por isso, com todo respeito aos Mariólogos – teólogos que se
propõem estudar a figura de Maria no Mistério da Revelação e da Encarnação de
Deus – a melhor forma para falar de mãe é ir à concretude de uma mãe e, de
preferência, à nossa própria mãe. Lá encontraremos não a mulher perfeita,
angélica e virginal, mas o conceito mais próximo e concreto que conhecemos do
ser mãe.
Quem nunca parou para recordar sua mãe? Os tempos
de outrora, tempos da infância, tempos nos quais seus cabelos não eram
grisalhos, sua pele não revelava as marcas e a expressão do tempo e do cansaço.
Ao recordar sua mãe, quem não lembra os momentos em família, as alegrias
vividas, uma história jocosa, tristezas compartilhadas, dúvidas e dificuldades?
Quando recordamos nossas mães recordamos nossa vida, recordamos o filho que
fomos, quando acertamos e quando erramos. Recordamos quando fomos intransigentes,
inconseqüentes e irresponsáveis.
É impressionante a capacidade que toda mãe tem de
fazer recordar a vida. Na medida em que começamos a refletir a figura de nossa
mãe, acabamos no quintal de nossa própria vida: nossa personalidade, nossas
escolhas, aquilo que fizemos ou deixamos de fazer ao longo do tempo.
Em nossa
mãe, a nossa vida
Mãe é
sempre uma recordação. Ora positiva, ora negativa. Quando a recordamos tomamos
consciência do que somos e somos convidados a uma avaliação existencial: como
filho, homem, ser humano. Acredito que toda mãe é um lugar teológico para seu
filho pois, pela mãe, o filho se encarna, ganha vida, vem ao mundo, é instruído
e acontece. Quando o filho recorda sua mãe recorda sua humanidade. De onde
veio, qual é o seu berço, a sua história, o seu DNA. Quantos e quantos filhos
negam sua história de vida, suas raízes e verdades, fruto bem provável de um
desencontro na relação materna.
Em toda mãe o filho vê o tamanho de suas verdades e
a dimensão de suas limitações. Na mãe, o filho pondera, mais cedo ou mais
tarde, o que fez e como lidou com aquele velho e sábio “conselho de mãe”.
Diante de sua mãe o filho responde no silêncio de sua consciência se o colocou
na lata de lixo ou na prática da vida. Quando recorda a memória de sua mãe o filho
nunca “faz de conta”. O juízo moral aflora e a ultima pergunta que
insiste a ser respondida é: Fui ou não um bom filho para minha mãe? E
esta pergunta insistirá em ser respondida independente dos valores ou da
intensidade afetiva que a mãe em sua vida dispensou para com o seu filho. Por
mais que o filho não queira, é impossível não recordar.
Quando os mariólogos falam que a função de Maria é
apontar para Jesus, percebemos esta verdade teológica no concreto da vida.
Quando falamos de nossa mãe chegamos a nós mesmos: quem somos? onde estamos? o
que nos tornamos? O “mocinho” que nossa mãe sonhava, ou o “vilão”
que temia?
Toda mãe tem essa capacidade de fazer o filho
recordar-se. Mãe tem esse dom, mesmo que distante, longe, em outra dimensão.
Capacidade de nos fazer recordar a vida, pelas lembranças, saudade, ausência,
distância, ou por um simples telefonema no cair da tarde. Mãe é coisa de Deus!
Nela nos encontramos. Nela sentimos a ação de Deus na nossa vida.
E para não dizer que não falei das noivas e da Princesa
Isabel, desejo a todas as noivas que um dia sejam excelentes mães e mando
lembranças a Dona Teresa Cristina de Bourbon, mãe da Princesa Isabel, a mãe da
liberdade, pelo menos histórica, do negro, sem esquecer, claro, de Dona Ilca
Dal-Bó, minha mãe. Porque essa é a minha melhor teologia. A noiva mais
comprometida com a minha felicidade, a princesa da minha liberdade.
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