terça-feira, 16 de agosto de 2011

Esperança: prescrição para vida

Foto: Frasco

Certa vez escutei de alguém de que não me recordo quem que a vida é feita de “esperas”. Passamos vida a espera de algo ou alguém, e são estas “esperas” que alimentam a dinâmica da vida. A criança espera a adolescência, o jovem a vida adulta, os pais, o nascimento dos filhos e dos netos. Assim é a vida! Vivemos a dinâmica de aguardar o que está por vir. E aguardamos com esperança, confiança e vivacidade, pois esperamos o melhor no que há de vir.

Quase sempre depositamos nossa esperança no tempo. É o tempo esta força que nos empurra para vida e também para a morte, pois é no tempo que nascemos, crescemos e morremos. É neste ciclo, vida-morte, que a vida acontece: expiramos vida e inspiramos morte.
Na infância recebemos nossos primeiros valores que, quando assumidos na juventude e na vida adulta, nos acompanham por toda a vida. Na vida experimentamos a condição de amantes e amados, de amigos do peito e de amigo de amigos, de conhecido e de estranho. É o tempo que nos aproxima e nos distancia, nos abre algumas portas e a outras fecha. Tudo no tempo da vida! Na vida é-nos reservado um momento para sorrir e um momento para chorar.

O tempo, esta força que nos faz recordar a vida e também nos aproxima da morte é, ao mesmo tempo, a força que nos oportuniza a possibilidade da esperança dando-nos um novo sentido a cada instante de vida. Eis o quarteto da existência: vida, morte, esperança, tempo.

Este quarteto me recorda uma experiência muito significativa por mim vivida: um dia, procurei um consultório médico para realizar exames de rotinas e, ao chegar ao consultório, fui conduzido até à sala de espera para aguardar a minha vez. Com o avançar das horas percebi que minha consulta estava atrasada, comecei a ficar impaciente e irritado com a demora do atendimento ao ponto de, esbravejando, ir ao encontro da secretária reclamar do atraso. Havia na sala de espera cinco pessoas que se encontravam na mesma situação que a minha, o que me deixava mais impaciente ainda. Ao fazer minha reclamação quanto ao atraso do médico, a secretária, pronta e educadamente me disse que o médico estava preso no trânsito e ela, assim como ele, nada poderia fazer. Quanta irritação!

Pois bem, essa era a condição do momento em que vivia: o tempo, esboçado no atraso do médico; a vida, que acontecia naquela sala de espera; e eu, repleto dos sentimentos de impaciência, indignação e intolerância sem nada poder fazer. Completamente sujeito e refém do tempo. Nada podia fazer contra o atraso, senão aguardar. E assim o fiz. Aguardei! Aguardei impacientemente. Tornei-me sujeito do tempo, inútil, impaciente, irritado, impotente no aguardo do médico.

O que aprendi com isso? Aprendi que o tempo não para, ele acontece independente dos meus sentimentos mais rebeldes, das minhas vontades, ele acontece tirando proveito até mesmo de minha inutilidade. Não há como evitá-lo. Nada que eu fizesse naquele momento: gritar, falar mal, dobrar o valor pago pela consulta, nada modificaria a dinâmica do tempo na sala de espera. Só havia um lugar (a sala), o tempo expresso na vida (o atraso), meus sentimentos momentâneos (impaciência e irritação) e entre eles, a esperança, possibilidade que deixei passar despercebida. Pouco soube tirar proveito da esperança, e, de fato, era esta que poderia ter dado um novo sentido àquele momento de espera.

Junto comigo, na mesma sala, estavam as outras cincos pessoas, em iguais condições marcadas pelo tempo: o atraso. Passei junto delas duas horas de minha vida e quando cheguei em casa, percebi que não recordava o rosto destas pessoas, as roupas que vestiam e, muito menos, sabia-lhes o nome. Comecei a perceber que deixei o tempo de espera que ali vivi ser dominado por sentimentos pouco nobres e me esqueci do exercício da esperança. Perdi a oportunidade de ser atendido, ainda que com atraso, mais calmo, sereno e inteiro pelo médico, pois não soube me controlar diante do tempo. Talvez dificultando e mascarando ainda mais o diagnóstico.

Percebi, tardamente, que o mais importante não era o tempo que permaneci na sala de espera, mas as pessoas que deixei de conhecer na sala de espera. Experimentei o imediato e esqueci-me da esperança. Entre as cinco pessoas que lá estavam, casualmente, nestas surpresas que a vida reservam, esbarrei com uma delas novamente em outra situação, e por ironia do destino, eu estava precisando de sua ajuda, e ela me reconheceu prontamente como: “o moço impaciente do consultório”. Assim é a esperança quando experimentada: ela tira proveito do presente em perspectiva do futuro.

A esperança não é o imediato, não é abulia. É o aguardo sereno, tranqüilo, seguro que nos faz confiar e nos permite até mesmo ser inúteis no tempo sem perder o gosto pela vida e a dinamicidade que ela de nós exige.

Não importa quanto tempo passamos na sala de espera: o que importa é como nos comportamos na sala de espera. As pessoas que conhecemos na sala de espera.
Aprendi com aquela situação que a sala de espera, a ante-sala, era mais importante do que a consulta agendada com o médico. Saí da sala de espera mais doente do que cheguei. Faltaram-me doses de esperança, paciência e compreensão, ensinamentos que prescrição médica alguma pode curar.

Vilmar Dal-Bó Maccari