domingo, 29 de maio de 2011

Procura-se uma esposa

Foto: sacerdote



É impressionante o desejo que algumas pessoas têm de arrumarem “candidatas” a esposas para os padres. Lutam, mesmo que não tenham sido convocadas para tal missão, para que os padres tenham o direito de construir uma família e ter filhos, enfim, a oportunidade de ter uma mulher para, quem sabe?, nas noites de inverno, aquecer seus pés. Lutam muitas vezes, sem perguntarem a opinião do protagonista principal desta história.

A vida celibatária para estas pessoas é entendida como restrição: não casar, não fazer sexo. Logo, acreditam que o padre é um homem restrito, limitado, isolado, desconectado do tempo e do mundo. Esquecem que a sexualidade é apenas um detalhe da questão. Castidade é muito mais! Castidade é um elemento que favorece: pureza de coração, dedicação integral, sublimação, entrega valiosa, consagração da vida, fidelidade, harmonia. Castidade não se resume a copulação, prazer, sexo desmedido. Muitas vezes percebemos com maior intensidade os sinais do amor em uma singela relação casta do que em um orgasmo funcional e rotineiro de obrigação matrimonial. Se o fim da castidade fosse a salvação do mundo, das vocações ou da Igreja, a família não estaria tão fragilizada, amargando altos índices de divórcio.

Dizem que a castidade leva à solidão. Que o padre é um homem solitário. Será que no casamento não há solidão? Será que o ato sexual consegue resolver todos os problemas emocionais? Será que o casamento consegue resolver todos os problemas do mundo? Fome, discriminação, preconceito, ganância, violência?

O celibato não restringe o amor. O amor não é propriedade de casados ou castos. O problema não está em fazer sexo “demais” ou “de menos”, o problema está em não amar. É muito pobre compreender o celibato como redução sexual, mas, é muito rico entendê-lo como uma opção livre, não imposta, para viver o amor na sua forma mais exigente. Amor de cumplicidade e entrega total.

O padre não canaliza sua sexualidade para sofrer, ele imola dentro de si um projeto pessoal: mulher, filhos, família em favor do povo. Deixa de construir uma família para abraçar o povo. Segundo as estatísticas, no Brasil há 1 padre para cada 10.000 habitantes. Esse é o tamanho da família do padre, são por esses que ele renunciou a seu projeto pessoal.

De forma concreta, o que seria daquela piedosa e idosa senhora se não tivesse o padre durante cinqüenta anos para rezar sua missa dominical, acompanhar as procissões de Santa Teresinha, benzer as fitas rosa que colocava sobre os ombros a cada missa, incentivar a catequese, as romarias, as peregrinações, os coroinhas? O que seria dos pobres que, bem antes do programa Fome Zero, “zeravam” sua fome com as cestas básicas doadas pela Igreja?

Morreu? Chama o padre para “enterrar”. Tá doente? Chama o padre para benzer. Nasceu? Agenda o batizado com o padre. Vai casar? É preciso agendar o padre e a igreja.

Na hora da alegria ou da dor ele está sempre à disposição, e não por obrigação, dever, salário, faz porque o escolheu como projeto de vida.

A castidade não diminui o padre, pelo contrário, o liberta para ouvir o idoso, acalmar a noiva, entender o jovem, acolher a criança, acompanhar o enfermo, aliviar o pobre, aconselhar a família. Ele os têm como prioridade. No passado, era motivo de muito orgulho ter um padre na família, hoje, não se vê com bons olhos. O sacerdócio não é rentável.

É claro que a vida de castidade tem seus limites, suas lutas cotidianas para manter a fidelidade, a pureza e a transparência na alma e no espírito. Assim como no casamento, dura é a luta cotidiana para manter a fidelidade, a pureza no relacionamento e o desejo vivo, com o passar do tempo.

A castidade não é uma imposição. O casamento não é uma imposição. Só casa aquele que quer. Só é padre aquele que quer. Ninguém pode casar por obrigação. Ninguém pode abraçar o celibato por obrigação. A mais profunda riqueza concedida por Deus ao homem é a liberdade. As regras para o matrimônio e para vida sacerdotal são claras. Ninguém deve ir enganado ao estado que pretende assumir.

Para aqueles que lutam e não se cansam de arrumar pretendentes para os padres, sugiro que mudem o motivo da luta, lutem para que os padres sejam mais fiéis, felizes e realizados na vocação e no estado de vida que escolheram. Não impeçam os padres de amá-los! Eles trocaram uma família por você. Não insista em dar a eles um projeto de vida que é seu. Dê oração aos padres e tudo basta. Lembre-se, você e sua família fazem parte do projeto de vida dele. O celibato do padre é muito mais em favor seu do que dele. Valorize o que é seu! Não insista em casar o padre. A não ser que ele queira!

Vilmar Dal-Bó Maccari

terça-feira, 17 de maio de 2011

Leões urbanos: o que ruge?

Foto: Eu

Leão tem casa, endereço, identidade e trabalho. E olha que não estou falando das selvas, das jaulas, dos circos ou dos parques temáticos. Refiro-me aos leões urbanos, estes que encontramos cotidianamente pelas ruas, no trabalho, nos shoppings, nas igrejas. Leões que enfrentamos diariamente, e somos convidados a domar muitos deles.


Certa vez ouvi uma história que me chamou atenção. Dizia: “Um velho sábio disse a uma criança que dentro de todo homem existem dois leões: um calmo e manso e outro, agitado e feroz. Então, o sábio perguntou à criança: - Qual destes leões é o mais forte? A criança lhe respondeu: - Certamente o mais agitado e feroz! O velho sábio então lhe disse: - Muito bem, meu pequenino, você julgou pelos olhos do mundo, onde a agitação e a ferocidade estão associadas à força e ao poder. Mas eu lhe digo: o mais forte será aquele que você alimentar com maior freqüência. Com isso, a criança compreendeu o segredo da força interior”.


Todos nós temos um leão em nosso interior. Tornamo-nos ferozes quando incomodados ou dóceis quando afagados. Somos como jaulas de abrigo.

Quando abrimos nossas jaulas e soltamos nossos leões, estamos sujeitos a machucar, a ferir e a colocar em risco os nossos relacionamentos, pois dificilmente saberemos qual dos leões sairá de dentro de nós por primeiro. O leão civilizado, protetor que ampara e encanta ou o leão que assusta, não perdoa e devora. Qual dos leões terá mais força dentro de nós?


A história do velho sábio nos diz que esta decisão é nossa. Podemos alimentar o leão da lealdade, da fidelidade, da força da coragem e do domínio das paixões, ou então, podemos dar alimento ao leão da intriga, da divisão, da mentira, do preconceito, da inveja e do laxismo: “És responsável por aquele que cativas!”, disse o Pequeno Príncipe. Diria: “És responsável pelo leão que alimentas dentro de ti”.

Não podemos fugir do leão que existe dentro de nós. O que podemos, e devemos certamente, é investigar como estamos alimentando este leão. O que lhe estamos dando de comer? Com que intensidade ele ruge dentro de nós?

A espiritualidade é sempre um bom caminho para alimentar estes leões: gestos de civilidade, educação, boas obras, contato com o Sagrado.

Em tempos de competições acerbadas, onde o profissionalismo, a técnica e o lucro imperam na sociedade, pergunta-se: São estes os melhores alimentos para o leão humano?


O leão está a rugir! Ruge com suas palavras, com seus gestos, com sua forma de pensar e agir. Externalizamos no cotidiano o leão que alimentamos. Dentro de nós está vencendo o leão que somos.

Vilmar Dal-Bó Maccari

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Seus olhos azuis e a ressurreição

Foto: Longe de mim



Esta semana visitei um velho amigo que está muito distante, faz-me muita falta. Meu coração batia no compasso da saudade. Não consegui suportar e fui visitá-lo. Ao chegar onde ele se encontra vieram à tona intempestivas recordações e lembranças de momentos significativos em minha vida.

Verdade seja dita: eu não era o melhor amigo dele. Muitas vezes, até de meu nome se esquecia, da mesma forma como ele não era meu melhor amigo, mas isso pouco nos importava, pois, quando estávamos juntos, quando conversávamos, estabelecia-se uma relação de amizade recíproca: sem cobranças, posições ou ditames.

Nossa amizade era sempre marcada por encontros pontuais, às vezes acompanhadas de um jogo de dominó, de um café, uma pizza ou uma dose de licor. O mais importante, porém, era a conversa que tínhamos: um misto de partilha, orientação, “broncas”, “puxão de orelhas” e, como toda conversa de amigos, havia sempre convergências e divergências. Um de nós sempre tinha que ceder, geralmente eu, mas isso não me incomodava e também não quer dizer que concordasse com tudo. Mas, era tão bom estar ali, que naquele momento não me importava ganhar ou perder. Quando estamos em companhia agradável, ônus e bônus são relativos. O amor facilita a perda, suporta o fracasso, admite a inutilidade. Somente o amor!

Nesta visita que lhe fiz, relembrei-me do grave tom de sua voz, seu vocabulário erudito e bem articulado que sempre encontrava lugar para uma expressão em latim, alemão ou italiano. Bem diferente dos meus outros amigos que, assim como eu, tropeçamos no português e soletramos algumas sílabas em inglês. Nossa amizade não tinha formalidades. Quando a conversa se alongava, sem cerimônias ele mesmo dizia que estava na hora de terminarmos a prosa, e eu, claro, tentava “espichar” sempre um pouco mais. Ele, porém, respondia-me: “Negão, tu tá querendo é conversa”. E estava mesmo! Queria ouvi-lo. Queria orientações. Fascinava-me com suas lições de moral, às vezes por demais intransigentes. Mas esse era o fascínio, falava-me de coisas que ninguém mais falava ou que poucos homens tinham coragem de falar. Quanta falta me faz!

Para uns, ele era intransigente, para outros, conservador, ainda havia aqueles que o consideravam um homem desconectado dos tempos atuais. Mas, para mim, filho deste tempo, fruto desta época, conectado a esta geração, tinha-o como referência. Seus ensinamentos ressoavam em minha consciência e prática de vida como se fosse um escotismo de outrora. Falava-me do que eu queria ser e lembrava-me do que eu não era.

Mesmo longe, escuto sua voz firme, seus olhos azuis brilhantes, quando não lagrimejados, ao falar-me do maior ideal de sua vida: Jesus Cristo.

Quando o visitei, recordei aquele homem inteligente, erudito, altivo, decidido, de postura firme, que não transgredia quando o assunto era moral e agora, pela dinâmica da vida, tornar-se-ia refém de uma lápide.

Pensei: será que esta lápide teria força de enterrar e aprisionar tudo o que aprendi com ele? Não! Certamente não! Ela pode reter a corporeidade, as cinzas, o limite do humano, mas jamais sepultará a beleza de seus olhos, a comoção com que nos falava de Cristo, a ressurreição implantada no coração de tantos jovens.

A lápide que ele suporta não é maior do que aquilo que experimentamos, do que a tocante experiência que nos fez mudar. A lápide, assim como o que é humano, se decomporá na liturgia do tempo, mas o que recebemos dele, não.

Saudades deste amigo! Dos seus olhos azuis, de suas lágrimas, de seus ensinamentos, posições polêmicas e até mesmo de suas broncas. Fica-nos, então, a certeza da ressurreição!


Vilmar Dal-Bó Maccari