sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Contar bolinhas na casa da Nona

Foto: crianças-brincando

Pequeno costumava nas férias escolares passar alguns dias na casa de meus Nonos (Avós), no interior. Um lugar lindo, cheio de encantos para uma criança. Havia animais, riachos, cachoeiras, montanhas, pastagens verdes, açudes para pesca e muitas trilhas a serem exploradas. Como toda criança, fértil em imaginação, sempre havia para mim um tesouro por ali, prestes a ser descoberto, sem falar das deliciosas comidas preparadas no fogão a lenha pelas mãos da Nona: polenta, arroz branco, lingüiça, queijo e, indispensavelmente, na janta de toda noite, minestra com radicce: espécie de sopa de feijão com arroz branco, acompanhada de folhas verdes, amargas. Verdadeiramente deliciosa!

Para mim, os dias de férias na casa da Nona equivaliam a uma colônia de férias: Disney World, Beto Carreiro, Parque Aquático, nada se comparava à sensação de estar na “Grande Floresta”. Os dias que lá passava eram suficientes para esquecer o programa da Xuxa, Trapalhões, desenhos animados e leituras de gibis. Bom mesmo era correr atrás dos animais, aventurar-me mata adentro, fazer cabana na mata, caçar vaga-lumes e aprisioná-los em vasilhas.

No final de um dia tão agitado, cheio de “aventuras”, chegava sempre a hora do banho, a janta, “minestra com radicce” e, logo após, a reza do Terço. O Nono pegava um velho rosário dependurado num prego na parede e começava a reza do Terço. Para mim, este era o momento mais cansativo do dia, um verdadeiro sonífero.

Durante o dia meus Nonos poupavam-me de trabalhos, deixavam-me livre pra brincar, mas, na hora do Terço não havia escolha: tinha de participar mesmo caindo de sono. Eram muitas Ave-Marias, entre um mistério e outro a invocação de São Donato, Santo Antônio e Nossa Senhora “Madre di Dio”. Para mim, aquilo era uma verdadeira tortura: contar bolinhas do Rosário, e caindo de sono.

Terminadas as férias, era hora de retornar à casa dos pais com muitas novidades. Na escola não me cansava de contar para meus amigos as inúmeras aventuras vividas na casa de meus Nonos. É verdade que aumentava um pouco, próprio da imaginação criativa de toda criança.

Hoje, um pouco mais maduro, e ainda com alma de criança, vejo quão sadias eram minhas férias na infância. Quando fecho os olhos e relembro cada momento vivido sinto o cheiro da comida, o barulho dos animais e, o mais impressionante, o velho Nono recitando o Rosário acompanhado da Nona que respondia, com toda a devoção, enquanto finalizava a lavação da louça do jantar: Santa Maria. Madre di Dio.

Gosto de pensar que foram aquelas Ave-Marias do passado, incompreendidas nos tempos de criança, a maior força de minhas lembranças hoje. Sem elas, talvez, eu não teria retornado inúmeras vezes à minha infância naquela casa. Não disponibilizava TV a cores, vídeo-game, Nescau, bolachas recheadas e brinquedos eletrônicos. Acredito que foram aquelas Ave-Marias que me deram a simplicidade para viver durante as férias, mesmo que por curto espaço de tempo, como deve ter vivido o menino Jesus: no campo, na simplicidade, alegria, liberdade e oração.

Quantas saudades das férias na casa dos Nonos! Quanto bem me fez aquele “sonífero” Terço que desperta no homem inacabado de hoje o menino simples de outrora.

Vilmar Dal-Bó Maccari