quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Bem aventurados os que vivem o Natal


Foto: Um gesto de Natal
O final de ano é tempo favorável para revisão de vida e balanço da caminhada ao longo do ano que passou. Vilões tornam-se mocinhos, perseguidores dão trégua a seus perseguidos, os diferentes se dão as mãos, agnósticos tornam-se mais receptíveis aos fenômenos sobrenaturais, e aqueles que estavam distantes da vida espiritual voltam-se para a dimensão religiosa. Tudo graças ao espírito natalino! É o Natal a força mística que apazigua, reúne, congrega e sensibiliza uma humanidade cada vez mais marcada pela concorrência individualizante e pela vaidade. É na época do Natal que mais nos sensibilizamos com a dor do “outro”: com os desempregados e sem salário impossibilitados de terem uma mesa farta e digna na noite natalina, com a fome na África, com as crianças abandonadas, os que estão enfermos nos leitos hospitalares, os que sofrem vítimas de vícios. No Natal tomamos um choque de realidade e percebemos que o mundo é muito maior do que os problemas nos quais tropeçamos ao longo do ano em nosso quintal. Uma coisa é certa, porém: logo logo este compadecimento pelo sofrimento dos outros será encoberto pelos luminosos fogos do reveillon, embalados por refinados espumantes e, mais tarde, com a “alegria” do carnaval, que adormentará nossa consciência humana até o próximo Natal.


O Natal é um tempo de compadecer-se com os outros e conosco, como afirma o cântico do Magnificat, “Ele derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes”. Foi isso que aconteceu na gruta de Belém: frustração para os poderosos e surpresa para os humildes. Quando esperavam o nascimento do menino Deus em um grande palácio, ornado de ouro, revestido de finas vestes e brocados, nasce na simplicidade da manjedoura de Belém, entre os simples pastores, homens do campo, envolto em faixas. O Natal frustrou a pretensão dos poderosos e soberanos e resgatou a dignidade dos simples e sofridos. Talvez seja esta a profunda mística que nos toca em toda época de Natal e nos faz lembrar dos que sofrem, porque Deus escolheu os mais simples para testemunhar a encarnação de seu Filho, não para excluir, condenar e abandonar os ricos e poderosos, mas para resgatar aqueles em que os ricos e poderosos excluíram, condenaram e abandonaram.


Nossa espiritualidade não pode esmorecer com o término da época natalina. Nossa consciência crítica, nosso compromisso com os pobres, famintos, sofredores, enfermos, encarcerados devem nos bem-aventurar durante todo ano, todo instante, toda vida. São estes os melhores presentes de Natal: dar pão a quem tem fome, água a quem tem sede, abrigo a quem tem frio, atenção a quem está preso ou enfermo.


Muito se falou de um livro que prega o encontro com Deus na Cabana. Ótimo e necessário! Mas, mais importante do que o encontro com Deus na Cabana, no meu quarto, no meu “quadrado” ou no meu “mundinho”, seja ele religioso ou não, é o encontro com Deus nos orfanatos, nas penitenciárias, nas regiões empobrecidas, nos asilos, casas de recuperação, hospitais. O encontro com Deus no irmão que sofre. Aí esta a Cabana.


Na noite de Natal Deus armou sua Cabana na simplicidade de Belém. Lá estavam Maria, José, animais e homens do campo. Hoje ele continua a armar sua tenda entre nós. Nós o reconhecemos, adoramos, nos compadecemos com ele e o festejamos. Mas tão logo desarmamos a tenda e voltamos à rotina da vida, não abandonemos os propósitos do Natal. Sejamos daqueles que permanecem firmes, pois sabem que sempre é Natal quando se vive a bem-aventurança.

Vilmar Dal-Bó Maccari